O Último Semeador



Desisto de mim. Renuncio a tudo. A vida é fugaz. Assassinei minhas quimeras. Nada mais tem importância.

Sem sonhos, aspirações ou quaisquer outras ilusões efêmeras que preencham o tempo entre o nascimento e o óbito.

O plantio foi feito ao ermo. Lancei, ao chão árido, sementes inférteis — que sabiamente se recusaram a germinar. Agora, após cinco décadas de irrigação, permeadas por longos períodos de estiagem e esperança, percebo que a plantação desmazelada não vingou.

Aprumei meu velho corpo arqueado. Minhas vistas cansadas me apresentaram uma visão turva: um campo arrasado e estéril.

Decidi: era chegada a hora da interrupção abrupta do ato de semear. Vendi o maquinário e os utensílios. Abati a criação. Salguei a terra. Queimei os estábulos. E me recolhi ao velho cocho, carcomido pelas intempéries, que agora me serve de leito.

Decretei o fim da minha vida útil. Agora, só me resta contar os dias para a sonhada aposentadoria — aguardando, no diário celestial, a publicação do decreto que irá sacramentar a sentença: se vou ascender ou ser rebaixado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Odômetro da Alma

NECROSE

Instruções para a Alma