ESPINHO
Assim como Paulo, fui marcado por um espinho que me revelou a fragilidade da existência. A palavra divina não é apenas para ser lida em silêncio ou proclamada em voz alta; ela exige ser vivida no dia a dia. Abraçar essa tríade — leitura, proclamação e vivência — é o que dissolve os nós que a vida insiste em atar.
O caminho para a transformação começa quando você aprende a enxergar lições nas provações diárias — aquelas pequenas e grandes tempestades que testam sua alma. Essa percepção é a semente do novo “eu”: um eu que transcende os impulsos brutos. Paciência, raiva contida, empatia, compaixão, gentileza e respeito são colocados à prova sem trégua, como se o universo estivesse anotando cada passo seu. Quando essa chama interior se acende, você começa a domar a fera que habita em si — não com força, mas com consciência.
Esse processo, porém, não é um troféu para exibir. Não se trata de alimentar o orgulho, mas de reconhecer a própria pequenez diante da vastidão do todo. É um exercício árduo, sim, manter-se nesse estado de humildade e propósito; mas perceber essa verdade já é o primeiro passo para trilhar um caminho guiado pela luz de Cristo. Reflito, agora, sobre as últimas 24 horas, pesando os momentos em que acertei e aqueles em que falhei. Com a alma revisada, descanso para enfrentar as próximas provações que o amanhecer trará.
O sopro da vida é breve. Para onde pensas que vais, minha criança? Podes escolher o que semeias, mas a colheita — ah! — essa virá sem escapatória.
E, ao contemplar essa colheita, vejo-me como a videira que não dá frutos: uma presença silenciosa no jardim da existência. Sem descendentes para perpetuar minha linhagem, sinto-me pequeno aos olhos humanos, que medem o valor por heranças visíveis. Não plantei árvores para oferecer sombra às gerações futuras, nem escrevi livros que ecoassem sabedoria, tampouco criei invenções para aliviar o fardo da humanidade. Ainda assim, talvez minha persistência — essa teimosa sobrevivência diante das adversidades — acenda uma centelha de esperança em quem cruzar meu caminho. Para mim, isso é suficiente: uma oferenda humilde em um mundo sedento por grandiosidades.
Como legado, deixo uma colcha de retalhos mal alinhavada, para algum curioso distraído ou com tempo ocioso — e, sim, sou otimista ao imaginar tal leitor. Essa coleção de pensamentos e vivências, imperfeita como é, serve de convite à reflexão: vale a pena se perder em autossabotagem, vangloriando-se de títulos vazios ou exibindo diplomas distribuídos com a facilidade de migalhas jogadas aos pombos nas praças? Tais gestos apenas revelam a ignorância diante da verdadeira missão espiritual — transcender o ego e abraçar a humildade que nos conecta ao divino.
JOÃO AMARAL
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