AVENIDA SAMPAIO


Hoje passei pela rua onde morei desde o nascimento, a minha Avenida Sampaio, bateu uma nostalgia, minha visão ficou turva, meus olhos encheram de lágrimas, esse velho coração cansado de guerra, se esforçou para aguentar o tranco da saudade, a primeira sensação foi a olfativa, o cheiro da Padaria União de seu Antônio, onde o pão de sal vinha embalado em rolos de papeis coloridos e amarrados com barbante pendurados no teto, meus olhos ficavam fascinados com aquelas gavetas de portas transparentes abarrotados de bolachões, tarecos, bolachas de canela, da bodega de seu João da manteiga, na esquina do cruzamento com a Avenida JJ Seabra ficava a venda de Seu João da Manteiga, que assim fazendo jus à sua alcunha vendia manteiga na lata e requeijão que também vinha enrolado no mesmo papel da padaria. De frente avistávamos o Boteco do Régis, um dos pontos boêmios da cidade na época, passávamos pela Artflôr, pelas casas de Dona Sheila, Dona Nice que murmurava, nos esbravejando como o nosso baba na calçada, os passeios da casa de Bolira com o mostruário dos produtos de olaria, (telha e tijolos) que nos serviam de trave, produtos que seu pai Pedro vendia, tinha a figura de seu Possidônio, com sua venda de doces despachados diretamente pela janela, do outo lado da rua meu tio lateral com sua cadeira de rodas observando tudo e todos na rua, dona Zinha, seu Osvaldo, Timtones e seus desenhos dona Cota e as suas bacias de goiaba coletadas no quintal, adubadas de uma forma um pouco questionável.

Lá adentramos no nosso primeiro campo de futebol gramado, a garagem da Johnsson & Johnsson. O carro ia deslocando e eu observando, vendo fachadas, rostos, todos meus velhos conhecidos, conterrâneos de um passados não tão distante, uma passada pela casa de tia Carmem e a lembrança da mesa de ping pong de tio Dega na parte posterior do quarteirão na rua Gastão Guimarães , seu Zôle e os meninos Tóia e Ica, amigos de toda a vida e meus companheiros, durante a semana e que acompanhavam o pai na sexta-feira para a lida na fazenda, já ficávamos pensando na volta, domingo pela manhã, dia do outro baba sagrado na nossa quadra lisa no estacionamento do Estrelão, sem esquecer Enrique mais um dos nossos (Chibotex), Seu Joacir Relojoeiro e os meninos Mário, Joca, André.

Os papos continuavam na Sampaio na casa de Epaminondas e Mariinha, na frente de minha casa os badalados salões de Raulinda e de Pedra atendiam a nata da sociedade feirense, avistávamos a chácara que virou o IAPSEB e hoje é mais um dos prédios da prefeitura, avançamos para a esquina, aumentando o território, a esquina do badalado Feira Noite Dia nos domingos era nossa, apareceu a baiana Nalva e ganhamos o que chamam hoje de Point, ganhamos as bicicletas e começamos a explorar o mundo, rodamos por todos os pontos da cidade, da nostálgica Ponte Rio Branco até as ruas da Santa Monica e os banhos de piscina no Clube dos Bancários.

Fomos a última geração dos babas intermináveis na rua Castro Alves onde morava outro irmão meu, Kiko esse mesmo distante sei que sempre está pronto para um socorro, os garrafões, mãe da rua e cuscuz na travessa Pedro Américo de Brito com Kiko, Audo, Adriano, George, Luizinho, Romilson (in Memorian) dentre tantos outros, que a memória falha não me permite lembrar.

Começamos a nos dispersar fisicamente com os estudos e a busca por carreira diferentes, quando o exército me requisitou forçosamente e sem querer por obra do destino a mais bela da rua de uma forma inesperada sorriu pra mim, como se estivéssemos prometidos um para o outro, apenas cumprindo o que já estava escrito nas mais altas esferas celestiais, esqueci de muita gente, porém o carro que está atras de mim buzinou e percebi que o sinal abriu, toda essa percepção passou em uma fração de segundo, enquanto eu olhava a pista e contemplava as imagens que iam se sucedendo, me deparo com minha velha casinha, onde eu esperava aflito meu pai chegar sã e salvo pela manhã do trabalho à noite no táxi, e minha mãe chegar da escola no final da tarde, ela continua lá, com suas desgastadas, porém sólidas paredes, que até hoje teimam em ficar de pé, ali foi o que pude chamar de Lar, pessoas felizes habitaram aquele ambiente, ela foi testemunha dessa simbiose de amor, a construção tá lá embirrada, resistindo a transformação da rua, me mostrando um tempo incrível que foi vivido na sua plenitude, com poucas regalias porém com muito afeto, amor, e tudo que uma criança precisa para a formação do seu caráter, que sua fachada se preserve enquanto vida e forças eu tiver, para que eu possa sentir o cheiro, ouvir o sons e ver o semblantes das pessoas do passado, ali nasci, cresci, me apaixonei, me tornei o homem que sou.

Obrigado senhor, por mais que eu reclame tive mais do que mereci.


جواو كارلوس

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